Participantes de audiência pública na Câmara dos Deputados destacaram o descumprimento no Brasil das leis que garantem a reconstrução mamária em casos de câncer de mama. O assunto foi discutido nesta quinta-feira (28) na comissão especial criada para acompanhar as ações de combate ao câncer no Brasil, em conjunto com as comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e de Seguridade Social e Família e com a Secretaria da Mulher da Câmara.
Quatro leis no Brasil tratam da reconstrução mamária. A Lei 9.797/99 garante às mulheres que sofrerem mutilação total ou parcial de mama, decorrente de tratamento de câncer, o direito à cirurgia plástica reconstrutiva no Sistema Único de Saúde (SUS). Já a Lei 10.223/01 garante o pagamento de cirurgia plástica reparadora pelos planos privados de saúde.
A Lei 12.802/13, por sua vez, determina que, quando existirem condições técnicas, a reconstrução será efetuada no mesmo tempo cirúrgico da retirada da mama. E a Lei 13.770/18, por fim, explicita que os procedimentos para obter a simetria das mamas e para a reconstrução do complexo aréolo-mamilar integram a cirurgia plástica reconstrutiva.
Divulgação das leis
A deputada Tereza Nelma (PSDB-AL), que é paciente oncológica e pediu o debate, destacou que muitas mulheres nem sabem que têm o direito à reconstrução mamária pelo SUS e há casos de mulheres que esperaram até 18 anos para conseguir fazer a cirurgia. “Eu, como paciente oncológica, sei como é duro olhar no espelho e ver sua mama sem o mamilo”, disse. Como parlamentar, ela luta pela divulgação das leis. “É possível sim fazer reconstrução mamária no momento de fazer a mastectomia, e o SUS paga. Essa é a nossa realidade. Nós queremos vivê-la”, ressaltou.
Chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Conceição, no Rio Grande do Sul, José Pedrini questionou quem pagará o sofrimento da mulher que esperou 18 anos pela reconstrução. Ele destacou que a cirurgia estética imediata, inclusive com prótese, não prejudica o tratamento e defendeu que seja feita no mesmo ato cirúrgico, com uma única internação.
Pedrini ressaltou que a reconstrução da mama na hora da cirurgia de retirada do tumor leva apenas 40 minutos a mais e em 90% dos casos pode, sob o aspecto médico, ser feita simultaneamente. Na visão dele, a mulher deve poder fazer essa opção.
Daniela Catunda foi uma das pacientes oncológicas que relatou, no debate, as dificuldades encontradas: “Eu tenho um grupo chamado Escolhemos viver, em que 95% das meninas são mastectomizadas e 95% ainda não conseguiram fazer a cirurgia (de reconstrução). A fila é muito grande, a morosidade é muito grande, e a gente tem que agir com políticas públicas, para que essas mulheres tenham novamente sua autoestima”, defendeu.
Financiamento
A deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), que também propôs o debate, frisou que o gargalo está no financiamento. Segundo ela, a emenda constitucional do teto de gastos (EC 95) está limitando o orçamento federal da saúde, o que leva estados e municípios a ter que colocar mais recursos na área.
Carmem Zanotto observou que, nos serviços de saúde, alega-se que, com os valores pagos pelo SUS, não é possível fazer a cirurgia estética. “O que o SUS paga não paga a prótese. Se não paga a prótese como vai pagar os honorários e as despesas hospitalares? Esse tem que ser o nosso debate”, disse.
Tecnologista da Coordenação-Geral de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Aline Leal Lopes reiterou que o SUS garante o tratamento integral da mulher com câncer de mama, inclusive a plástica das mamas.
“Em 2019, foram realizadas pelo SUS 1.456 cirurgias de reconstrução mamária. A gente teve um impacto negativo, como já é sabido por vários estudos e nossos levantamentos na realização dessas cirurgias em 2020, por conta da Covid-19. Em 2020, até agosto, a gente teve 530 realizadas no Brasil todo”, informou.
Aline Lopes acrescentou que portaria do Ministério, de dezembro de 2020, disponibilizou para os estados R$ 150 milhões para custeio de ações de rastreamento, detecção precoce e controle do câncer de mama e colo do útero no SUS durante a pandemia. Mas destacou que o financiamento da saúde é tripartite, com recursos do Orçamento federal, mas é preciso ter a contrapartida estadual e municipal. Conforme ela, cada estado tem suas “questões particulares”.
A mastologista e coordenadora do Programa Ame-se da Secretaria de Saúde de Alagoas, Francisca Beltrão da Matta, relatou que no estado o histórico é de se fazer no máximo cinco reconstruções mamárias por ano. Para tentar reverter essa realidade, o programa foi criado há um ano, com o apoio de emendas parlamentares da deputada Tereza Nelma, e 15 mulheres já tiveram o processo iniciado para reconstrução das mamas.
O debate integrou a programação do Outubro Rosa, promovida pela Secretaria da Mulher da Câmara.
Fonte: Agência Câmara de Notícias